Por Breno Tavares e Herval Sampaio*
Nas últimas três décadas, o brasileiro habituou-se a conhecer da percepção eleitoral coletiva, especialmente nas disputas presidenciais/governadores e das capitais, a partir das pesquisas trazidas a público pela mídia tradicional, realizadas basicamente por 2 institutos: IBOPE (atual IPEC) e Datafolha. Entretanto, nos últimos anos, notadamente a partir de 2018, o então protagonismo dessas duas empresas fora dando lugar a uma miríada de novos institutos, espalhados por todo o país e crescendo em progressão geométrica a cada novo pleito – com o perdão do exagero matemático. E com isso, problemas inimagináveis, num primeiro momento, em especial com a potencialização das redes sociais.
Em 2022 essa profusão de empresas dedicadas à opinião pública redundou em dezenas de resultados fragorosos sobre as disputas ao Senado, aos governos estaduais e à presidência da república. Naquele momento, ficou claro que parte considerável dos institutos não capturou com precisão os resultados erigidos das urnas. E aí alguns, para se defender, recorreram à ideia de que “pesquisa não faz prognóstico, limitando-se a delinear a realidade do momento em que fora realizada”. Embora haja assista alguma verdade a essa hipótese, ela não explica as extrapolações dos resultados para muito além das margens de erro e dos candidatos efetivamente eleitos, sem que houvesse, na maior parte dos casos, fato relevante que justificasse mudanças abruptas no comportamento do eleitor. E é nesse pequeno detalhe que reside o problema, dando margem a patente manipulação de dados como estratégia de marketing eleitoral para indução de votos, desconfigurando a democracia.
No último domingo, ao que as evidências sinalizam, atingimos o ápice do processo de deterioração da credibilidade das pesquisas eleitorais, haja vista a aparente ‘mercantilização’ delas, dado que os cidadãos de quase 5.570 municípios foram às urnas votar em 1º turno e, novamente, o que se viu do Oiapoque-AP ao Chuí-RS “como se diz”, foi um festival de polêmicas em torno dos números desvelados pelas quase 14.400 pesquisas registradas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para este pleito.
Dos grandes centros às pequenas cidades, amontoam-se os exemplos em que os institutos apontavam cenários totalmente opostos, por exemplo, com um candidato A liderando a intenção de votos tendo 30% de vantagem sobre seu adversário, de acordo com um determinado levantamento, e outra pesquisa, no dia seguinte, mostrava o candidato B liderando a disputa com 15% de vantagem. Tal situação além de demonstrar essa nítida “mercantilização”, demonstra também o uso do instituto como uma patente estratégia de marketing, desprezando o seu potencial científico para o uso correto de forma interna para justamente o marketing ser mais eficiente. Uma ironia que na realidade, pela má-fé é claramente deixada de lado propositadamente!
Em algumas capitais os números divulgados às vésperas do pleito divergiram diametralmente entre os institutos, além de destoarem significativamente das margens de erro previstas, o que não é tecnicamente razoável que ocorra em intensidade e quantidade, como verificou-se há poucos dias e sempre chamamos atenção a tal aspecto, comprovando que os erros eram e são na grande maioria intencionais!
Portanto, não há casualidade nessa problemática. Há, sim, método e interesses estranhos ao republicanismo, posto que a utilização de pesquisas eleitorais como ferramenta de propagação das chamadas fake news mostrou-se politicamente estratégica para quem às financia realmente e um negócio lucrativo para quem às comercializa, sobretudo no comparativo com os números de 2016, eleição imediatamente anterior à quebra de paradigma, como evidenciam as cifras envolvidas neste pleito, a seguir:
BRASIL | ||||
2016 | 2024 | VARIAÇÃO | ||
Pesquisas | 8903 | 14380 | 62% | |
Faturamento | R$ 71.100.000,00 | R$ 156.713.000,00 | 120% |
Fonte: base de dados do TSE.
O cenário potiguar
No particular do Rio Grande do Norte, o assunto nos parece ainda mais dramático e agudo, conforme alguns números apontam. Senão vejamos:
RIO GRANDE DO NORTE | ||||
2016 | 2024 | VARIAÇÃO | ||
Pesquisas | 144 | 723 | 402% | |
Faturamento | R$ 679.000,00 | R$ 4.832.300,00 | 612% | |
Institutos | 11 | 27 | 145% | |
Cidades | 63 | 128 | 103% |
Fonte: base de dados do TSE.
Observe que no Estado, em 8 anos, o número de pesquisas registradas na quadra eleitoral saltou 4 vezes, o faturamento multiplicou-se mais de sete vezes, o número de institutos e o total de cidades pesquisadas mais do que dobrou. E esse crescimento atípico coincide com a recorrência de resultados distorcidos, verificados em diversas de cidades em todas as partes das terras potiguares. Será que tudo isso pode ser olvidado e visto como algo natural dentro do modelo normativo atual?
Notadamente, cinco cidades do Estado destacaram-se no volume de pesquisas, e nelas há levantamentos com resultados os mais diversos, a saber: Natal (73 levantamentos), Parnamirim (37), São Gonçalo (32), Apodi (27) e São José de Mipibu (23). Para se ter uma ideia do quanto esses números são superlativos, Natal (5º), Parnamirim (19º) e São Gonçalo (29º) figuram entre as 30 cidades do Brasil com mais registros junto ao TSE. Um Estado tão pequeno e ao mesmo tempo tão intenso em pesquisas eleitorais. Por que será?
O Estado ainda teve outro número alarmante: foram 723 pesquisas realizadas neste ano, o que equivale a 5% das 14,4 mil do país inteiro e o coloca na 8ª posição entre as 27 unidades federativas. É como se 1 a cada 20 levantamentos tenham sido feitos aqui. É um número que sinceramente tem que ser melhor estudado e por óbvio tem que ser reprimido, pois de natural não tem nada, pelo contrário, demonstra, infelizmente, tanto a “mercantilização” quanto o uso estratégico do marketing eleitoral e as vezes até mesmo criminoso!
A solução está na academia
Claramente, a falta de uma regulamentação mais rígida tornou o mercado de pesquisas suscetível a práticas nada republicanas e, como visto neste ano, em certa medida, ao deixarem-se utilizar como instrumentos de desinformação massiva, as pesquisas desbordaram para uma utilização diferente do propósito para o qual as empresas dessa área existem: capturar a opinião pública com precisão e isenção – daí evidencia-se que, se a sociedade não apresentar alternativas para contornar o problema, nossa democracia se fragilizará um tanto mais como infelizmente se viu nessas duas últimas eleições, potencializada agora nessa última em específico.
Neste diapasão, os Estados Unidos – onde os estudos sobre opinião pública desenvolveram-se ao longo dos últimos 100 anos –, nos oferecem um horizonte a seguir, haja vista que lá a cobertura de cada novo processo eleitoral, em todos os 50 estados do país, se dá a partir de parcerias que envolvem a mídia tradicional e ao menos 60 instituições de ensino, responsáveis por monitor a evolução do pensamento coletivo norte-americano, enquanto no Brasil a tarefa de acompanhar a opinião pública fica a carga exclusivamente da iniciativa privada.
Temos em nosso país cerca de 150 instituições públicas de ensino superior (universidades federais, estaduais e institutos federais), e não há nelas inciativas similares às dos EUA. Eis a nossa janela de oportunidade: escrevemos este artigo a partir do Rio Grande do Norte e, desta feita, a UFRN, a UERN e a UFERSA poderiam criar vinculadas a si um organismo mediador da opinião pública, valendo-se da expertise técnica, da credibilidade e da isenção de tais instituições, e com potencial para ser replicado pelas universidades de todos os estados do país. É um modelo alvissareiro a ser pensado e aqui vamos fazer nossa parte com tal escopo!
A academia, farol de conhecimento que é, daria nova contribuição substantiva à sociedade, como já o fizera no período pandêmico, na medida em que imune aos interesses outros que guiam parte daqueles que atualmente, sob a égide da iniciativa privada, tangenciam essa temática por um caminho que tende a levar as pesquisas para outra margem que não a de erro intencional, mas a do limite da democracia dentro dos erros que são toleráveis cientificamente falando.
*Autores:
Breno Tavares Nunes é consultor em gestão pública, mestre em Gestão de Processos Institucionais pela UFRN e doutorando em Jornalismo pela UFSC.
José Herval Sampaio Júnior é Juiz de Direito TJRN, Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Professor da UERN.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
Fonte: Blog do Barreto